Aspectos Fáticos e Jurídicos da Implementação do Fair Play Financeiro no Futebol Brasileiro e sua relação com a atual Pandemia de COVID-19

Em tempos de pandemia, cabe uma reflexão acerca do instituto do fair play financeiro no futebol. Do que se trata? Pode-se definir o fair play financeiro no futebol como um conjunto de regras que pretende evitar o gasto desenfreado dos clubes, mantendo assim sua “saúde financeira”. Neste modelo, as entidades desportivas são obrigadas a manter uma gestão equilibrada em […]

Em tempos de pandemia, cabe uma reflexão acerca do instituto do fair play financeiro no futebol.

Do que se trata? Pode-se definir o fair play financeiro no futebol como um conjunto de regras que pretende evitar o gasto desenfreado dos clubes, mantendo assim sua “saúde financeira”.

Neste modelo, as entidades desportivas são obrigadas a manter uma gestão equilibrada em “break-even”, ou seja, os clubes devem prezar pela manutenção de uma empresa financeiramente estável, restringindo o acúmulo de dívidas.

Seria juridicamente cabível a implementação de normas de fair play financeiro no Brasil?

Em primeira análise, cabe ressaltar que há uma hierarquia normativa a ser respeitada no ordenamento jurídico brasileiro. O art. 89 da Lei Pelé (Lei 9.615/98) possibilita que as entidades de administração do desporto determinem em seus regulamentos o princípio do acesso e do descenso (promoção e rebaixamento). Além disso, o parágrafo único do mesmo artigo é claro ao afirmar que é cabível também a imposição de sanções decorrentes de irregularidades na responsabilidade financeira esportiva e na gestão transparente e democrática.

Nesse sentido a CBF, em sua função normativa autorizada pelo ordenamento jurídico, edita os regulamentos dos campeonatos realizados por ela. Inserido neste regulamento, há no artigo 114 uma previsão de edição, por parte da entidade, dos chamados RECs (Regulamento Específico das Competições), contendo normas sobre o fair play financeiro e licenciamento, estabelecendo requisitos e responsabilidades, visando ao saneamento financeiro dos Clubes, que ficarão obrigados a cumpri-las, sob pena de sofrerem as pertinentes penalidades desportivas.

As penalidades mencionadas no dispositivo supracitado, encontram-se fixadas no art. 20 do REC da Série A do Campeonato Brasileiro de 2020:

“O Clube que, por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, estiver em atraso com o pagamento de remuneração, devida única e exclusivamente durante o CAMPEONATO, conforme pactuado em Contrato Especial de Trabalho Desportivo, a atleta profissional registrado, ficará sujeito à perda de 3 (três) pontos por partida a ser disputada, depois de reconhecida a mora e o inadimplemento por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)”. 

A meu sentir, existem alguns ajustes jurídicos na implementação do fair play financeiro no futebol do Brasil, ao menos por ora.

Embora a Lei Pelé possibilite a imposição de sanções decorrentes de irregularidades na responsabilidade financeira esportiva, o art. 52 do mesmo diploma prevê que caberá ao STJD processar e julgar questões previstas no referido código.

A quem caberá o julgamento de demanda que apresente um cenário de violação às regras do fair play financeiro?

Outra questão. O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) apresenta uma punição ao clube que violar regulamento de campeonato:

Art. 191, III: Deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento: de regulamento, geral ou especial, de competição.

Pena: multa, de R$ 100 a 100 mil.

Estando caracterizado o descumprimento do fair play financeiro por parte de alguma entidade desportiva, qual punição será aplicada? A sanção prevista no Regulamento Específico da Competição (REC) ou a pena de multa do art. 191 do CBJD? A punição dupla poderia denotar bis in idem ou, por serem sanções de naturezas distintas, ambas poderiam ser aplicadas?

Entendo que são questões que devem ser apreciadas e normatizadas em regulamento próprio, que estabelecerá o fair play financeiro de forma ampla.

A CBF previa a implementação do regulamento a partir do Campeonato Brasileiro do ano de 2020. Sendo que as penalidades previstas por descumprimento só seriam empregues em 2023, após o lapso chamado de período educativo.

Contudo, em função da pandemia de COVID-19, é provável que as novas regras sejam adiadas ou, pelo menos, suspensas as respectivas sanções. Do mesmo modo, deve haver uma flexibilização da disposição já existente no art. 20 do REC – Série A 2020. Certamente haverá alegação por parte dos clubes de fato imprevisível em alusão ao art. 478 do Código Civil que traz a Teoria da Imprevisão, na qual, atualmente, muito se fala.

Fato é que, se o fair play financeiro tivesse sido implantado no Brasil anteriormente, talvez os clubes não sofressem de forma tão drástica os impactos econômicos da pandemia.

Aguardemos os próximos capítulos…

Vasques Advocacia