Revisitando o Clube dos 13?

O futebol brasileiro talvez esteja passando pela sua segunda (ou terceira) maior mudança no que diz respeito ao Direito de Arena.  Popularmente conhecido como “Direito de Transmissão”, o Direito de Arena é, em linhas gerais, a prerrogativa conferida às entidades desportivas de negociar a exibição das partidas das quais participem.   Primeiramente disciplinado pela revogada Lei de Direitos Autorais de […]

O futebol brasileiro talvez esteja passando pela sua segunda (ou terceira) maior mudança no que diz respeito ao Direito de Arena. 

Popularmente conhecido como “Direito de Transmissão”, o Direito de Arena é, em linhas gerais, a prerrogativa conferida às entidades desportivas de negociar a exibição das partidas das quais participem.  

Primeiramente disciplinado pela revogada Lei de Direitos Autorais de 1973, o Direito de Arena era conferido, de forma genérica, ao clube participante da partida desportiva.  

Art. 100. A entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proibir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga. 

 Em 1987, os treze maiores clubes à época resolveram se unir com o objetivo de unificar decisões e alinhar questões de interesse coletivo das entidades desportivas.  

Indiscutivelmente, uma das principais transformações consagradas pelo então denominado Clube dos 13, foi a negociação coletiva do Direito de Arena, o que, de certa forma, facilitava e afinava a logística das transmissões, uma vez que os dois clubes participantes do espetáculo cederiam o Direito de Arena para a mesma emissora.  

A partir daquele momento, um forte monopólio começava a ser construído. A Rede Globo, que até então destinava as suas coberturas aos jogos da Seleção Brasileira, adquiriu os direitos exclusivos do Campeonato Brasileiro de Futebol.  

Seis anos após a criação da organização, o “Direito de Transmissão” passou a ser disciplinado pela denominada “Lei Zico” (Lei 8.672/93), em seu art. 24, caput, sem modificações relevantes: 

Art. 24. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem. 

Seguindo a linha temporal, a Lei 8.672/93 foi substituída prela entrada em vigor da Lei Pelé (Lei 9.615/98), a qual mantém, quase na íntegra, o texto legal das leis antecessoras.  

Art. 42.  Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.   

Assim, a previsão, até então, trazida pelo art. 42 da Lei Pelé (Lei 9.615/98), atribuía aos dois clubes participantes do espetáculo desportivo, a prerrogativa, exclusiva, de negociar, de forma geral, a reprodução, captação, transmissão e outras modalidades de uso da imagem. 

Nesse sentido, apenas ocorreria transmissão, caso os dois clubes envolvidos no espetáculo desportivo houvessem celebrado contrato de cessão de Direito de Arena com o mesmo player, gerando, portanto, uma dependência e um entrave contratual.   

Finalmente, em 2011, as divergências entre clubes e seus dirigentes se tornaram insustentáveis e os conflitos de interesses superaram a finalidade harmônica do modelo instituído pelo Clube dos Treze. Dessa forma, a união das entidades se enfraqueceu e tornou inevitável a dissolução. 

Uma das guerras travadas dentro do Clube dos Treze foi justamente por questões ligadas à negociação do Direito de Arena.   

Em que pese a dissolução da União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro, o monopólio da Rede Globo nas transmissões dos jogos de futebol permaneceu. Entretanto, esse domínio vem sofrendo um enfraquecimento, desde 2017, com a chegada de novos players ao mercado, a exemplo, da DAZN e Turner. 

No dia 18/06/20, em meio à pandemia de COVID-19 e às vésperas do retorno do Campeonato Carioca, a MP 984/20, que altera no art. 42 da Lei Pelé, é publicada e a liberdade das entidades desportivas de agenciar seus direitos de arena se vê novamente alterada.  

A principal alteração legislativa trazida pela Medida Provisória foi a concessão, apenas ao clube mandante, do direito de arena do espetáculo.  

Art. 42.  Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo.     

§ 1º  Serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo de que trata o caput, cinco por cento da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário constante de convenção coletiva de trabalho. 

A autonomia para a negociação certamente interessa a todos os clubes. Contudo é, no mínimo curioso, que uma medida condicionada à urgência pela Constituição Federal, seja publicada em meio a um cenário pavoroso, que deixa milhares vítimas diariamente. 

No mesmo caminho da obscuridade, é leviano que uma questão tão profunda e de tamanha relevância no cenário econômico-desportivo, seja decidida sem que seus principais personagens sejam ouvidos. Um diálogo equilibrado com os clubes é essencial para que se estabeleça um modelo estruturado e factível, uma vez que está em jogo uma das maiores fontes de receita das entidades de desporto, além do fato de atingir uma cadeia quase incalculável de contratos, que vai desde o consumidor-torcedor, passando pelos patrocinadores, até efetivamente afetar os clubes propriamente ditos. 

Diante disso, alguns pontos saltam aos olhos.  

A matéria objeto da Medida Provisória 984/20, apesar de não preencher, genericamente, o requisito de urgência, talvez tenha coincidido com a urgência de um clube, que foi imediatamente beneficiado pela alteração do art. 42 da Lei Pelé. 
 
O Flamengo ainda não havia chegado a um consenso com a Rede Globo que, por sua vez, já havia firmado contrato de cessão com os outros clubes cariocas. 
 
Com essa alteração, o time rubro-negro terá liberdade para negociar ou/e transmitir as partidas nas quais for mandante, inclusive através de plataforma de streaming. E é como vem fazendo.  

O clube já transmitiu duas partidas pela própria TV de clube, o que desencadeou uma série de reflexos jurídicos, sendo o principal deles a rescisão do contrato de transmissão do Campeonato Carioca pela Rede Globo. 

Ainda que se tratem de prazos longos e de tratos sucessivos, devem ser respeitados e cumpridos os contratos celebrados antes da publicação da Medida.  A violação do ato jurídico perfeito e do princípio do pacta sunt servanda geraria uma insegurança jurídica sem precedentes.  
 
Como se sabe, a MP possui um prazo curto até, possivelmente, tornar-se lei. Findo o prazo, saberemos se o objetivo do Executivo foi tirar proveito do impasse contratual de um único clube para atingir objetivos particulares e/ou políticos ou realmente abraçar a nova Era Digital, que retira o protagonismo das emissoras de TV e abre frente para que os clubes possam aumentar sua receita de transmissão. 

Fonte: TMT Legal Network

Vasques Advocacia