Trata-se de tema amplamente discutido tanto na jurisprudência quanto na doutrina, ensejando a edição de Súmula pelo Supremo Tribunal Federal.
Conforme ensinamentos de Benedito Silvério Ribeiro[1], a prescrição como meio de defesa perdurou durante longo tempo, podendo o possuidor proteger-se contra as ações reais de terceiros, apesar de já viger no Código Civil de 1916, em seu art. 550, o instituto da usucapião.
Admite-se a alegação da usucapião em defesa em uma gama de ações, v.g., ação reivindicatória, divisória, demarcatória, imissão de posse, entre outras, conforme se nota pela Súmula 237 do Supremo Tribunal Federal, abaixo transcrita, a qual não restringiu a nenhuma ação específica:
Súmula 237 STF: “O usucapião pode ser arguido em defesa”
Registre-se que, quanto às ações possessórias há grande divergência no tocante a possibilidade de se alegar usucapião em defesa. Segundo entendimento do jurista José Carlos de Moreira Salles[2], caberá tal alegação nas ações dessa natureza. Já o professor Alexandre Câmara[3], vai de encontro a essa corrente, afirmando que o Direito Brasileiro separou os juízos possessório e petitório.
Relevante mencionar, que a exceção de usucapião não poderá ser reconhecida de ofício, devendo ela ser arguida e invocada pelo interessado.
Além disso, essa arguição não poderá ser realizada a qualquer momento durante o processo, mas no prazo para contestação, desde que preenchidos todos os requisitos necessários à prescrição aquisitiva, gerando, assim, preclusão temporal[4], caso não seja realizada no momento processual adequado.
Nesse sentido, em que pese o art. 1.244 do Código Civil de 2002 determinar a aplicação à usucapião das regras sobre as causas obstativas, suspensivas e interruptivas da prescrição, não é aplicável à prescrição aquisitiva, a regra do art. 193 do mesmo estatuto, que esclarece ser viável a alegação da prescrição em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita, o que impede a possibilidade de arguição da usucapião a qualquer momento no processo, ou mesmo que seja declarada de ofício pelo juiz.
Se acolhida a defesa do usucapiente na ação intentada contra ele, com a decretação de improcedência da demanda do autor, a sentença não poderá ser levada a registro junto à matrícula do imóvel no Registro Geral de Imóveis, como poderia caso fosse uma ação de usucapião propriamente dita, de acordo com a parte final do art. 1.238 do CC. Isso se dá porque a contestação não amplia o objeto da demanda, o que faz com que não se possa considerar formada a coisa julgada sobre algo que não foi, efetivamente, julgado, tendo em vista que a questão suscitada pelo excipiente apenas será conhecida na fundamentação da decisão, não alcançada por este instituto. Além disso, através da contestação apresentada pelo usucapiente, ele somente resiste a pretensão.
A partir disso, deve-se analisar qual a extensão da coisa julgada da sentença de improcedência da ação reivindicatória em que houve alegação de usucapião como matéria de defesa.
Há entendimento no sentido de que a sentença declara que a propriedade é adquirida pelo decurso do tempo. Porém, existe entendimento de que a coisa julgada não incide sobre a defesa do réu, apenas sobre o pedido inicial. Caso acolhida a arguição e invocação do réu, a usucapião irá figurar na parte da fundamentação da sentença, não no dispositivo da mesma. Isso se dá porque a ação reivindicatória não possui caráter dúplice, como as ações possessórias, em que há possibilidade de se formular pedido contraposto pelo réu.
Por conseguinte, verifica-se que a decisão apenas produzirá efeitos entre as partes da ação reivindicatória ou possessória, não sendo, portanto, erga omnes, visto que não foram citados na referida demanda, os confinantes, o cônjuge, o possuidor, os réus em lugar incerto e os eventuais interessados, bem como intimadas as Fazendas Públicas. Ato contínuo, deverá o excipiente propor a ação de usucapião para que a declaração de propriedade possa ter validez erga omnes e ser levada a registro imobiliário. Cabe lembrar, que na nova ação tudo será discutido novamente.
De acordo com Benedito Silvério Ribeiro[5]:
“A alegação de usucapião poderá ser feita em ações em trâmite no juízo cível, federal ou fazendário, independentemente daquele competente para o processamento e julgamento do processo de usucapião, consoante ocorre em locais que contam com varas privativas de registros públicos”.
Como já mencionado, a sentença de improcedência da ação do proprietário contra o possuidor não pode ser registrada no Registro Geral de Imóveis. Contudo, existe uma importante exceção quanto à essa irregistrabilidade da decisão judicial, a usucapião especial. A Lei 6.969/81, em seu art. 7º e o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) no art. 13, preveem claramente a possibilidade de registro da sentença, como se pode vislumbrar:
Art. 7º da Lei 6.969/1981 – “A usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no Registro de Imóveis”.
Art. 13 da Lei 10.257/2001– “A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis”.
Para José Carlos de Moraes Salles[6] e outros juristas como Lenine Nequete e Athos Gusmão Carneiro, o legislador pretendeu dar a usucapião especial, tratamento diferenciado em relação às demais modalidades, permitindo o registro da sentença que tenha acolhido a alegação de usucapião como defesa. Porém, os autores criticam tal postura, argumentando, que em uma ação de usucapião, os réus que seriam citados e os órgãos que seriam intimados na ação de usucapião, não o serão na ação reivindicatória.
Por fim, concluem que a sentença apenas terá eficácia material perante aqueles que foram partes no processo, não prejudicando, assim, o direito daqueles que deveriam fazer parte do processo, se este fosse de usucapião. Além disso, o registro de que trata as leis supramencionadas só terá validade contra o titular do registro anterior, se este tiver sido o autor da ação em que foi acolhida a usucapião especial alegada em defesa.
Importante ressaltar que, para Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, só existe uma possibilidade de registro da sentença de improcedência em processo no qual houve alegação de usucapião em defesa. Trata-se da hipótese em que a alegação ocorre em ação de usucapião de terceiro e em relação ao mesmo imóvel. O autor explica que, nesse caso, a coletividade teve oportunidade de contestar e ocorreram todos os requisitos que exige uma ação de usucapião. Portanto, a sentença, nessa hipótese, possui efeitos erga omnes.
Benedito Silvério Ribeiro compartilha da mesma opinião, fazendo severa crítica ao tecer o seguinte comentário em sua obra “Tratado de Usucapião”:
“(…) sendo o autor da ação pessoa outra que não o titular do registro imobiliário existente, a aplicação, assim, do art. 7º, importaria, realmente, privar de seus direitos, por força da decisão judicial, pessoa que na demanda não fora parte. Tal solução parece importar verdadeiro confisco, sem conceder o direito, ao proprietário (CC, art. 859), de opor-se às pretensões de quem invocou a usucapião”
Nesse sentido, cabe colacionar o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina sobre o tema, o qual condiciona a possibilidade de registro da sentença à citação e intimação de todos aqueles que a ação de usucapião exige:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL COMO MATÉRIA DE DEFESA. EXEGESE DO ART. 7º, DA LEI 6.969/81. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO MINISTERIAL NO FEITO, COMO DE CIENTIFICAÇÕES INDISPENSÁVEIS. NULIDADE DO PROCESSO CARACTERIZADA. PROVIMENTO DO RECURSO. O usucapião especial pode ser argüido como matéria de defesa, conforme corrobora a Súmula 237, do STF. Contudo, por força do art. 7º, da Lei 6.969/81, a sentença que reconhece o usucapião especial ventilado em contestação, possui eficácia erga omnes, valendo inclusive como título de propriedade a ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Por tal razão impõe-se a intimação, no decorrer do feito, de todos os interessados no decisum, como os proprietários dos imóveis confinantes e Ministério Público, para que possa o último, inclusive, atuar no feito como custus legis. (TJ-SC – AC: 119475 SC 1999.011947-5, Relator: Jorge Schaefer Martins, Data de Julgamento: 21/08/2003, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. , de Quilombo.)” – Grifo nosso.
Além da usucapião especial urbana e rural, quanto à possibilidade de alegação desso instituto como defesa, existe outra exceção, qual seja, a usucapião ordinária pelo prazo menor, de cinco anos, prevista no art. 1.242, parágrafo único. O enunciado 569 da VI Jornada do Conselho de Justiça Federal entendeu o seguinte:
Enunciado 569 – “No caso do art. 1.242, parágrafo único, a usucapião, como matéria de defesa, prescinde do ajuizamento da ação de usucapião, visto que, nessa hipótese, o usucapiente já é o titular do imóvel no registro.”
Dessa forma, nesse caso, tendo em vista que o prescribente já detém o título de domínio registrado em cartório, posto que adquiriu o bem de forma onerosa, mas que foi cancelado por determinado motivo, não será necessária a propositura da ação de usucapião, pois o usucapiente já é proprietário.
Dito isso, passa-se a analisar a atuação do Ministério Público na qualidade de custos legis, em processos em que a usucapião é alegada como matéria de defesa.
A presença do representante do Parquet se fará desnecessária em ação que seja alegada a usucapião como defesa, se a prescrição aquisitiva for ordinária ou extraordinária. Contudo, em relação à usucapião especial, tanto a Lei 6.969/81, quanto a Lei 10.257/01 preveem a possibilidade de a sentença, nesses casos, ser registrada em Registro Geral de Imóveis. Dessa forma, faz-se imprescindível a presença do Ministério Público em todos os atos processuais, a partir da defesa.
Quanto à desnecessidade da presença do Ministério Público na alegação de prescrição aquisitiva ordinária ou extraordinária, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou da seguinte forma:
AÇÃO REIVINDICATÓRIA – USUCAPIÃO ALEGADO EM DEFESA – DESNECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ÔNUS DA PROVA. – (…) Não há na ação reivindicatória em si qualquer interesse que justifique a intervenção do Ministério Público, nem mesmo quando alegado o usucapião como defesa. Tanto é assim que, mesmo no caso de improcedência do pedido reivindicatório ante a comprovação do usucapião, não se declara a propriedade da área em litígio, nem se determina a modificação do registro imobiliário. O reconhecimento do usucapião, nessa hipótese, prestará apenas à exclusão da pretensão reivindicatória. – (…) (TJ-MG 200000035787180001 MG 2.0000.00.357871-8/000 (1), Relator: GOUVÊA RIOS, Data de Julgamento: 30/04/2002, Data de Publicação: 18/05/2002).
Em relação à atuação do membro do Parquet quando a usucapião alegada for especial, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina entendeu da seguinte maneira:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS E REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL COMO MATÉRIA DE DEFESA. EXEGESE DO ART. 7º, DA LEI 6.969/81. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO MINISTERIAL NO FEITO, COMO DE CIENTIFICAÇÕES INDISPENSÁVEIS. NULIDADE DO PROCESSO CARACTERIZADA. PROVIMENTO DO RECURSO. O usucapião especial pode ser argüido como matéria de defesa, conforme corrobora a Súmula 237, do STF. Contudo, por força do art. 7º, da Lei 6.969/81, a sentença que reconhece o usucapião especial ventilado em contestação, possui eficácia erga omnes, valendo inclusive como título de propriedade a ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Por tal razão impõe-se a intimação, no decorrer do feito, de todos os interessados no decisum, como os proprietários dos imóveis confinantes e Ministério Público, para que possa o último, inclusive, atuar no feito como custus legis. (TJ-SC – AC: 119475 SC 1999.011947-5, Relator: Jorge Schaefer Martins, Data de Julgamento: 21/08/2003, Segunda Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível n. , de Quilombo.)
[1] RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião, volume 2. 3. ed – São Paulo: Saraiva, 1998, pag. 1.335.
[2] SALLES, José Carlos de Morais.7.ed – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pag. 168.
[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, volume III. 18.ed – Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2012, pag. 401
[4] Theodoro Junior, Curso de Direito Processual Civil, vol. III, p. 220.
[5] RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião, volume 2. 3. ed – São Paulo: Saraiva, 1998, pag. 1338.
[6] SALLES, José Carlos de Morais. 7. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pag. 415.