A clandestinidade nas transmissões de jogos de futebol na Era Digital

A tecnologia e sua crescente e permanente expansão resultaram em uma modificação profunda não só nas relações humanas, na economia, como também na forma de comunicação de um modo geral. Com a tendência à democratização e à popularização da internet, toda a estrutura de comércio, formatação de negócios e as relações jurídicas acabam sofrendo impactos, […]

A tecnologia e sua crescente e permanente expansão resultaram em uma modificação profunda não só nas relações humanas, na economia, como também na forma de comunicação de um modo geral.

Com a tendência à democratização e à popularização da internet, toda a estrutura de comércio, formatação de negócios e as relações jurídicas acabam sofrendo impactos, os quais devem ser observados e alinhados, conforme a necessidade do mundo contemporâneo.

Uma das principais inovações da era digital foi a difusão das chamadas redes sociais, que transformou radicalmente a forma de comunicação e interação social. Através dessas estruturas online, pessoas se conectam com outras de forma instantânea e dinâmica.

Esse contexto de dinamicidade e imediatismo proveniente da globalização da internet propicia um ambiente que dificulta a fiscalização e a punição de maus usuários.

Dentro deste cenário, muito se observa a transmissão de jogos de futebol através de redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter e YouTube, de forma clandestina, uma vez que os direitos de transmissão, em regra, são estabelecidos contratualmente entre os clubes e a emissora.

O art. 42 da Lei Pelé trata do chamado Direito de Arena, o qual estabelece que pertence às entidades desportivas “a prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.”

Ocorre que, em certos casos, os jogos são televisionados por canais fechados, fazendo com que, aqueles que comparecem à partida transmitam o jogo por meio das redes sociais, de forma clandestina. Além disso, existem os assinantes do canal que, por sua vez, gravam a tela para repassar àqueles que não aderiram ao plano ou pacote.

As plataformas online, como forma de coibir a referida prática, desativam a conta do usuário que viola o direito de transmissão pertencente ao sujeito contratual.

Legalmente falando, não há uma punição criminal específica para a conduta de reprodução de imagem não autorizada, quando não há intenção de lucro (transmissão por mera liberalidade). No caso de transmissão com retorno financeiro, o Código Penal prevê, em seu art. 184, § 2º, a criminalização da conduta de violação de direitos autorais.

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.           

(…)

  • 2oNa mesma pena do § 1oincorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

 

A lacuna legislativa para a primeira situação se deve, provavelmente, pela relativa contemporaneidade do tema. Contudo, em virtude das incontáveis situações vislumbradas na atualidade, existe urgência na normatização das violações a direitos autorais que não visem ao lucro.

Em última análise, penso ser cabível a discussão acerca da aplicabilidade do art. 184, § 2º do Código Penal para episódios de transmissão de partidas de futebol por usuários de redes sociais.

Explico.

A norma em comento é clara ao mencionar o lucro direto ou indireto decorrente da prática ilícita. Sabe-se que, em grande parte dos casos, aqueles que usufruem das plataformas sociais a fim de reproduzir as partidas de futebol, almejam seguidores, likes, acessos e demais interações proporcionadas por estas ferramentas de comunicação.

Nesse sentido, os influenciadores digitais aumentam suas probabilidades de captação de patrocínio e parcerias com marcas, o que, sem dúvidas, traz farto retorno financeiro ao proprietário da conta digital.

Ademais, diversas plataformas como, por exemplo, o YouTube, recompensam financeiramente os criadores de conteúdo, o que deixa ainda mais clara a obtenção de lucro, que nesse caso ocorre de forma direta.

Assim, cabe uma reflexão sobre a possibilidade ou não da aplicação do Código Penal aos casos de influenciadores digitais, que utilizam as redes sociais como meio de trabalho e obtém vantagens pecuniárias diretas e indiretas.

Fonte: JOTA

Alana Vasques – Especialista em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito

Vasques Advocacia