O impacto do Coronavírus nas relações contratuais e comerciais

Como é notório, um novo agente do chamado coronavírus foi descoberto, no final do ano de 2019, em virtude de casos registrados na China, com a posterior propagação para outros países, incluindo o Brasil. Trata-se de vírus causador de doenças respiratórias brandas a moderadas, de curta duração, porém, com alta potencialidade transmissiva. A situação causada […]

Como é notório, um novo agente do chamado coronavírus foi descoberto, no final do ano de 2019, em virtude de casos registrados na China, com a posterior propagação para outros países, incluindo o Brasil.

Trata-se de vírus causador de doenças respiratórias brandas a moderadas, de curta duração, porém, com alta potencialidade transmissiva.

A situação causada pelo vírus não se resume apenas à questão de saúde pública. As relações comerciais e econômicas estão sendo fortemente atingidas em decorrência da disseminação global do vírus, sobretudo, pelo fato de ter se iniciado na China, a segunda maior economia do mundo.

A fim de conter a disseminação do coronavírus, o governo brasileiro vem adotando medidas e orientando a sociedade de modo a haver uma colaboração mútua no combate à transmissão da doença, dentre elas: o fechamento de locais de grande circulação de público, como repartições públicas, shoppings, praias, teatros e cinemas, diminuição da frota de transporte público, entre outros. Além disso, a orientação principal é o exercício, pela população, da quarentena voluntária, o que fez com que diversas empresas implantassem o sistema de Home Office para seus funcionários.

Tais medidas afetam diretamente a economia e as relações comerciais, uma vez que, em virtude das restrições acima listadas, as empresas começam a ver seu faturamento decair drasticamente, tendo em vista a automática redução do consumo, da produção e da operação nas indústrias e empresas, sem falar nos casos de fechamento obrigatório do estabelecimento.

A queda na receita das empresas origina um descumprimento de contratos em cadeia. Na medida em que o estabelecimento passa a não faturar aquilo que se espera, a empresa passa a não ter verba para cumprimento dos seus contratos. Por sua vez, as empresas prestadoras de serviços passam a atuar com mão-de-obra reduzida, pois em certos setores não é possível o sistema home office, o que pode causar, de outro lado, o descumprimento da prestação por falta de pessoal. Ademais, as indústrias, que dependem de matéria-prima importada, terão suas produções afetadas, o que também geraria um descumprimento contratual.

Exemplifico.

Uma loja localizada em Shopping Center possui diversos custos fixos já previstos e internalizados como, aluguel, contratos com fornecedores, folha salarial de funcionários, etc. Com o impacto negativo nos caixas dessas empresas, fatalmente, contratos comerciais serão descumpridos. Isso ocorrerá tanto por parte de quem contrata, em decorrência da diminuição do faturamento, quanto pelo contratado que, por sua vez, poderá não despender de mão-de-obra ou insumos suficientes para o regular cumprimento do pacto.

No mesmo sentido, uma indústria farmacêutica que utilize insumos advindos da China, por exemplo, certamente terá sua produção prejudicada pelo estancamento da importação. Em decorrência da ausência de produção de medicamentos, muitos contratos serão descumpridos pela simples inexistência do produto.

Como solucionar ou, ao menos amenizar as consequências do COVID-19 nas relações empresariais?

De acordo com o Código Civil Brasileiro, em seu art. 478, “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.”  

O surto de coronavírus pode ser considerado um acontecimento extraordinário e imprevisível, o que poderia levar a uma resolução contratual face à Teoria da Imprevisão prevista no art. 478 CC.

Porém, os impactos da doença, em sua grande maioria, não afetam apenas uma das partes contratuais, o que levaria a crer que a solução mais justa, a depender do caso, seria a aplicação do art. 479 do Código Civil, que trata da revisão do negócio jurídico, ou seja, a negociação e a flexibilização de determinadas cláusulas contratuais de forma equitativa e balanceada para ambos os sujeitos do contrato, uma vez que o impacto se dá de forma generalizada. Tal opção se demonstra de maior razoabilidade, principalmente porque se trata de um surto viral temporário. Normalizada a situação, as empresas começaram seus processos de recuperação e restabelecimento e os contratos voltarão, aos poucos, a serem cumpridos.

Importante lembrar que alguns instrumentos contratuais possuem cláusula para revisão do contrato no caso de situações drásticas como terremotos, epidemias, furacões e outros fenômenos imprevisíveis. Nesse caso, a parte que se encontrar em desvantagem econômica pelo desequilíbrio contratual causado pelo motivo de força maior, terá o direito de aplicar a cláusula de revisão, independentemente do art. 479 do Código Civil, uma vez que há previsão contratual no mesmo sentido.

Entretanto, necessário salientar que a revisão do contrato é sempre uma exceção, sendo que existem avenças em que o fato já está coberto pelos riscos do contrato, como no caso de compra futura de soja.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a escassez de chuvas não é razão para a revisão contratual, uma vez que “porquanto o produto vendido, cuja entrega foi diferida a um curto espaço de tempo, possui cotação em bolsa de valores e a flutuação diária do preço é inerente ao negócio entabulado”. Acrescentou ainda que “A ocorrência da praga chamada ‘ferrugem asiática’ a castigar lavoura de soja não constitui acontecimento imprevisível e excepcional a autorizar o chamamento da cláusula rebus sic stantibus”.

Dessa forma, há casos em que o princípio rebus sic stantibus, a partir do qual os contratantes estão adstritos ao rigoroso cumprimento do pacto, no pressuposto de que as circunstâncias do momento da contratação se conservem inalteradas no momento da execução contratual, sucumbe em relação ao pacta sunt servanda (uma vez pactuadas, as estipulações contratuais devem ser fielmente seguidas).

Muito ainda se discutirá acerca da aplicação ou não da Teoria da Imprevisão em relação aos contratos afetados pelas consequências econômicas do coronavírus, o que levará a um número inimaginável de demandas judiciais.

A judicialização dos casos de descumprimento do contrato em virtude do COVID-19 não parece ser a alternativa jurídica mais eficaz, sobretudo, após a promulgação da Lei da Liberdade Econômica, que incluiu no Código Civil o art. 421, parágrafo único, que limita verticalmente a intervenção nas relações contratuais privadas:

 

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

                              (Grifo nosso)

Portanto, a medida que se mostra mais razoável para a solução dos conflitos advindos das quebras contratuais é a flexibilização e a cooperação mútua por parte dos contratantes, renegociando as condições contratuais, sempre que possível e enquanto recomendável, enquanto perdurar a situação excepcional para que se evite o prejuízo financeiro e também ocasione o desgaste das relações comerciais.

Vasques Advocacia